Pesquisado há décadas, o chamado pó de rocha já mostra resultados em grandes fazendas, mas esbarra na falta de conhecimento e crédito
Um fertilizante de baixo custo, brasileiro, disponível regionalmente e que também ajuda a recuperar a saúde do solo. Parece o produto perfeito para o agronegócio brasileiro, altamente dependente de fertilizantes solúveis importados.
Batizada de remineralizador, a solução nada mais é do que um pó feito a partir de determinados tipos de rochas moídas. Suas propriedades para o solo soam como mágica: aumentam os índices de fertilidade por meio da adição de macro e micronutrientes para as plantas; e melhoram aspectos físicos, químicos e a atividade biológica da terra.
Com tantos benefícios, sua adoção ainda é tímida no Brasil: estima-se que 10% da área de plantio brasileira já utiliza em alguma medida remineralizadores, algo equivalente a uma área de 64 milhões de hectares.
Regulamentado em 2016, o mercado teve um crescimento exponencial ano após ano e explodiu em 2022, com uma produção e consumo chegando a 3 milhões de toneladas naquele ano, em razão da guerra na Ucrânia, que interrompeu o fornecimento de potássio pela Rússia e fez saltar o preço dos fertilizantes químicos no mundo todo.
Na ocasião, a ameaça à produção nacional de commodities agrícolas levou o ex-presidente Jair Bolsonaro a voar até o presidente russo, Vladimir Putin, para tentar assegurar o fornecimento do insumo. O potássio é um dos três macronutrientes utilizados massivamente na agricultura brasileira e o ‘K’ da fórmula NPK (nitrogênio, fósforo e potássio).
Mas, em 2023, com a regularização no mercado dos químicos, a produção e o consumo dos remineralizadores caíram pela metade, segundo estimativas preliminares da Associação Brasileira dos Produtores de Remineralizadores de Solo e Fertilizantes Naturais (Abrefen). “Foi o primeiro ano que vimos decréscimo”, diz o presidente Frederico Bernardez.
Em abril de 2022, a cotação da tonelada de cloreto de potássio bateu em US$ 1.200, muito acima da faixa de US$ 200 registrada no fim de 2021. Mas hoje está na casa dos US$ 305, enquanto uma tonelada de remineralizador sai por até R$ 400 (seu preço é na moeda local).
“Ainda que tenha outras propriedades nutricionais, os remineralizadores são comparados aos fertilizantes solúveis e sofrem com a oscilação de preço do NPK. Quando o preço dele subiu, os produtores procuraram alternativas, mas quando caiu, voltaram a usar o que já estão acostumados”, diz Bernardez.
Pó mágico
Os remineralizadores, em geral, são fontes de cálcio (Ca), magnésio (Mg) e potássio (K). Alguns também fornecem fósforo e silício em quantidades significativas.
Parecido com areia, o pó tem um potencial enorme, mas não é mágico: para ser eficiente precisa ser acompanhado de outras práticas de agricultura sustentável, como plantio de cobertura, cujos efeitos não são imediatos, segundo especialistas.
“Não é uma substituição de produtos, mas de sistemas produtivos: da agricultura convencional para a regenerativa”, diz Pelerson Dalla Vecchia, CEO do Grupo Roncador, que utiliza remineralizador há seis anos em sua fazenda em Querência (MT), uma das maiores propriedades agropecuárias do país. O uso é feito tanto na área agrícola quanto para recuperar pastagens.
Os resultados têm sido tão promissores que Dalla Vecchia está dobrando a aposta. A mineradora do grupo, a Mineração Taquari, acaba de lançar no mercado seu remineralizador, passando a produzir também para terceiros. A capacidade de produção será ampliada de 31 mil toneladas, em 2024, para 200 mil toneladas em 2025, a depender da demanda.
Atualmente, há 68 produtos de pó de rocha registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para uso agrícola.
Para as mineradoras, os remineralizadores surgem como um subproduto, uma nova linha de receita a partir de rejeitos de sua produção principal, como a brita para construção civil. O Brasil tem cerca de 10 mil mineradoras, 90% delas são de pequeno e médio porte.
A maior parte dos produtores de remineralizadores tem esse perfil, caso da mineradora do Grupo Roncador, mas há também as que nasceram tendo o pó de rocha como produto principal.
“A legislação e os planos de governo asseguram aos empreendedores que o negócio tem futuro”, diz a geóloga Suzi Huff Theodoro, professora da UnB.
Criado em 2022 e revisado em novembro de 2023, o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF) do governo federal tem o objetivo de reduzir a dependência externa de fertilizantes importados até 2050. Entre outras medidas, contemplou os remineralizadores entre as cadeias emergentes e estabeleceu o objetivo de atingir a produção de 75 milhões de toneladas anuais de pó de rocha nos próximos 26 anos (meta muito distante do volume atual, da ordem de 1,5 milhão de toneladas).
Outra frente que está nascendo é a de startups de crédito de carbono que estão estudando como sequestrar carbono a partir do uso de pó de rocha na agricultura.
Museu de grandes novidades
O conhecimento sobre o potencial de uso do pó de rocha na agricultura não é algo novo. Faz pelo menos três décadas que pesquisadores se debruçam sobre o tema e alguns produtores orgânicos o adotaram.
O caso mais emblemático é o da Native, maior produtor e exportador de açúcar orgânico do mundo. Seu fundador, o agrônomo Leontino Balbo, usa o pó de rocha há cerca de 30 anos como parte do seu sistema de cultivo sustentável.
“Há pesquisas no Brasil desde a década de 1990 buscando fontes alternativas de potássio. UnB [Universidade de Brasília] e Embrapa têm um trabalho longo e a primeira coisa que descobriram foi que ele pode ser encontrado em rochas”, conta Eder de Souza Martins, pesquisador da Embrapa Cerrados.
Mas foi só com a regulamentação (marco legal em 2013 e instrução normativa do Mapa em 2016) que o pó de rocha começou a ganhar tração como fertilizante.
“O Brasil tem uma imensa diversidade de rochas, disponíveis para uso em todas as regiões do país e que se prestam para todos os tipos de culturas, desde a agricultura familiar até o agronegócio”, afirma Theodoro, da UnB.
Segundo ela, a maioria dos testes foi feita com soja e milho, por conta da sua relevância para o agronegócio. Mas, diz ela, são eficientes também em outros plantios, de hortaliças a gramíneas. “O que precisa é usar em conjunto com técnicas de manejo; não há receita única.”
Benefícios e limitações
Os fertilizantes podem chegar a representar até um terço do custo operacional de algumas culturas, casos da soja e do milho. Por conta do desenvolvimento da agricultura intensiva no Brasil, que adotou práticas sobretudo dos Estados Unidos nos anos 1970, os produtores usam fertilizantes solúveis NPK.
“Essas práticas vindas de países de clima temperado tiveram papel fundamental no desenvolvimento da agricultura no Brasil, que era importador de alimentos e se tornou exportador, porém nos tornou dependentes de tecnologia e insumos de fora, num modelo muito voltado à indústria química”, destaca Martins, da Embrapa Cerrados.
Ele indica, porém, uma exaustão dessas tecnologias, que não foram desenvolvidas para agricultura de clima tropical. “O custo de produção começa a não ser mais viável, pois é preciso cada vez mais fertilizante solúvel para ter o mesmo efeito. Temos visto agricultores endividados, que não conseguem pagar por isso.”
Os efeitos do pó de rocha não aparecem no curto prazo, mas são mais duradouros. “Ele tem dissolução e oferta de nutrientes mais lenta e contínua; já os solúveis precisam ser aplicados todo ano e ter a dosagem aumentada”, diz Theodoro.
Na Fazenda Roncador, dos 16 mil hectares de lavouras, 7,5 mil hectares utilizam remineralizadores. A aplicação começou com testes feitos com a Universidade Federal de Goiás, na área em que já desenvolvia a integração lavoura pecuária (ILP).
“Eles rejuvenescem o solo. Como têm liberação lenta, vão mudando as características da terra com o tempo, disponibilizando nutrientes para as plantas, estimulando a atividade biológica das raízes e do solo”, diz Pelerson. Sua meta é usar pó de rocha em 100% da área de lavoura no próximo ano.
“Pelos indicadores de produtividade que acompanhamos, é como se o pó desse um reset no solo”, conta, ao falar com empolgação sobre o aparecimento de minhocas e joaninhas.
Na porção da fazenda em que a implementação de práticas da agricultura regenerativa estão mais avançadas, o Grupo Roncador registrou maior produtividade e conseguiu mitigar os efeitos climáticos que levaram à quebra da safra de soja de 2023/2024 no país: foram colhidas 6 sacas a mais por hectare, na comparação com as áreas que não adotam as técnicas.
Outro benefício é que, por ter baixa solubilidade, o pó de rocha é menos suscetível à lixiviação quando comparado com fertilizantes solúveis. Na lixiviação, a água da chuva ‘lava’ os nutrientes e outros elementos químicos do solo, com prejuízos econômicos e ambientais para o agricultor.
No quesito preço, o custo dos remineralizadores é menor quando comparado aos fertilizantes tradicionais, mas é preciso grandes volumes para uso no plantio.
Não há uma quantidade padrão, que varia de acordo com o tipo de solo e manejos, podendo variar entre 1,5 tonelada e 5 toneladas por hectare, por ano. Com isso, o custo do transporte do insumo se torna relevante.
“O diferencial é que ele está disponível regionalmente, não precisa transportar de longe, uma vez que temos rochas em todo o país”, diz a professora da UnB.
Um estudo da Embrapa Cerrados e do Serviço Geológico do Brasil cruzou informações sobre zonas de consumo de agrominerais e regiões com potencial de produção desses insumos. Ele mostrou que 97% da área agrícola brasileira pode ser atendida por pelo menos uma fonte num raio de até 300 quilômetros.
Buraco de financiamento
Com tantas vantagens, por que a adesão dos produtores ainda é baixa?
As travas são muitas. Desde a falta de conhecimento do setor e de pesquisas para recomendação de uso, passando pela formação dos agrônomos (cuja cartilha ensinada nas faculdades é a da agricultura convencional e dos fertilizantes solúveis), até os interesses comerciais da indústria química. Um dos grandes obstáculos é o financiamento.
“O Brasil precisa criar mecanismos de políticas públicas para destravar o mercado”, diz Bernardez, da Abrefen. Ele chama atenção para o fato de que o mercado de fertilizantes convencionais tem ferramentas desenhadas e articuladas para financiar os agricultores. Os remineralizadores, não.
O único banco com uma linha de crédito que contempla o segmento é o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) – não por acaso um Estado em que a mineração é uma das principais atividades econômicas.
A linha financia aquisição de pó de rocha e fertilizantes naturais, além de assistência técnica, sementes de plantas de cobertura e transporte e aplicação dos itens financiados. O limite de financiamento por cliente é de até R$ 2 milhões, com uma taxa de 10,8% ao ano. Os produtores têm 36 meses para o pagamento, com um ano de carência para o primeiro pagamento.
“Isso dá tempo para o produtor investir na transição, adicionar outras ferramentas e técnicas de manejo, corrigir a rota no que der errado; e esse tipo de financiamento permite isso”, diz Bernardez, da Abrefen.
Mas essa é uma linha de crédito que ainda precisa ser vendida. “Identificamos que não basta dar crédito, precisamos capacitar os atores. É preciso criar demanda”, afirma Gabriel Viégas Neto, presidente do BDMG.
O banco fez uma parceria com a Embrapa Cerrados e desde o ano passado banca a capacitação gratuita de engenheiros agrônomos, técnicos agrícolas e produtores em novas tecnologias voltadas à agricultura de baixo carbono, o que inclui o uso de remineralizadores. A capacitação recebeu 425 inscrições em 2023 e a segunda edição acontece ainda neste ano e será focada no cultivo de café.
Incentivos regionais
Outra iniciativa regional é o Programa Goiano de Remineralizadores, lançado no início de agosto pelo governo estadual. Ele prevê investimentos de R$ 20 milhões até 2025, oriundos do Tesouro do Estado, e tem como objetivo promover práticas sustentáveis na mineração e na agricultura.
As ações do programa incluem a análise das áreas de produção mineral e os tipos de resíduos gerados, o diagnóstico e mapeamento de laboratórios aptos para a caracterização mineralógica e estudos tecnológicos, além da validação da eficiência agronômica para registro no Mapa.
Também são previstos capacitação e estudos ligados ao uso de remineralizadores, como sequestro de carbono, bio-intemperismo e monitoramento climático.
Mineradoras de Goiás têm nove produtos registrados no Mapa e a proposta inicial do programa do governo estadual é avaliar 65 potenciais novos produtos para atender a todas as regiões do estado.
O governo goiano também anunciou que o estado está cotado para receber um hub de remineralizadores como parte das unidades regionais do Centro de Excelência de Fertilizantes e Nutrição de Plantas, iniciativa do governo federal criada neste ano que foi apelidada de “Embrapa dos fertilizantes”.
“Investimento e políticas públicas são a grande mudança de chave”, diz o presidente da Abrefen.
Fonte: O Brasil tem um fertilizante de baixo carbono. Mas precisa desbravar o mercado | Reset (uol.com.br)