Em entrevista exclusiva ao AgFeed, o produtor Pelerson Penido Dalla Vechia, revela como a agropecuária regenerativa transformou a propriedade, uma das maiores do Brasil. E anuncia investimentos, que incluem uma biofábrica e até uma esmagadora de soja
A empolgação do empresário Pelerson Penido Dalla Vecchia ao mostrar gráficos, indicadores e imagens dos resultados das práticas sustentáveis no campo é evidente. Ele recebeu o AgFeedem seu escritório na Vila Madalena, em São Paulo, onde acompanha em duas telas de computador algo bem mais complexo do que meros dados financeiros.
O primeiro indicador que nos mostrou foi aquele que mede “a vida no solo” que, na visão dele, nas áreas de integração de lavouras e pecuária que possuem, “deve ser parecida com a vida na floresta”.
Por diversas vezes a Fazenda Roncador, em Querência, Mato Grosso, já foi apontada como “a maior do Brasil”, com seus 152 mil hectares. Mais correto seria dizer “uma das maiores”, um título que pouco importa para o atual diretor do Grupo Roncador, que engloba também uma propriedade rural no estado de São Paulo e atividades de mineração.
Certo é que a Roncador mantém um dos maiores, mais consolidados e reconhecidos projetos de agropecuária regenerativa do País – eventualmente do mundo –, iniciado ainda antes de o termo virar uma tendência no setor.
“Primeiro a intenção era diminuir o impacto (ambiental), mas depois vimos que era possível não apenas fazer isso, mas também gerar um impacto positivo para a natureza”, explicou “Peleco”, como é conhecido o diretor da Roncador por quem trabalha com ele.
O avô de Peleco, o empresário Pelerson Penido, adquiriu as primeiras áreas em Mato Grosso na década de 1970, época em que programas do governo incentivavam a migração para as regiões ao Norte do País. Era um sistema de pecuária de ciclo completo, com cria, recria e engorda de bovinos da raça nelore.
“A estratégia do meu avô era reformar 10% do pasto a cada ano, usava até acabar. Mas ao longo do tempo isso foi ficando insustentável e por volta do ano 2000 a fazenda já estava 80% degradada”, contou o atual administrador do grupo.
Ele descreve o processo de mudança em várias etapas, começando pela redução da idade de abate dos animais e do investimento nas pastagens, mas tendo como principal marco a implantação dos sistemas integrados, quando as fazendas do grupo passaram a ter também áreas de agricultura.
A Integração Lavoura-Pecuária (ILP) começou em 2002 na Fazenda Mantiqueira, em Pindamonhangaba (SP), e em 2007 na Fazenda Roncador, de Mato Grosso. As estratégias foram sendo aperfeiçoadas ao investir na produtividade do capim e das lavouras e nas condições químicas, físicas e biológicas do solo.
O sistema traz o “tripé” defendido por Dalla Vecchia de uma sustentabilidade econômica, ambiental e social.
“Trouxemos os conceitos da agricultura para a pecuária, pensando nas etapas de plantar, colher e principalmente cuidar, já que aquilo que não se repõe, acaba, adubamos o pasto assim como a lavoura”, afirma.
Produtividade avança 66 vezes em 12 anos
O ciclo dos sistemas integrados começa com o plantio da soja em outubro, que depois é colhida em fevereiro e, em seguida, na mesma área, é plantado o capim.
“A soja fixa o nitrogênio no solo e o capim utiliza este nutriente, crescendo com mais vigor. Os animais se alimentam lá durante período da seca com condição nutricional muito boa, colocam vida no sistema através da urina e fezes. Em outubro o gado sai e se planta soja novamente, recomeçando o ciclo”, relata o produtor.
O grupo tem 70 mil cabeças de gado e apenas 18 mil hectares de pasto perene, o que dá uma taxa de lotação pecuária “muito acima do normal”, segundo ele. A fazenda comercializa, anualmente, cerca de 38 mil bovinos. O trabalho inclui a genética das raças Rubia Gallega e Asturiana de los Valles.
A integração garante alta quantidade de matéria seca no solo e dá resiliência tanto para a soja, quanto para o gado.
Dalla Vecchia diz que, em 2002, quando fez primeira experiência de integração, colocando o gado na área em que havia colhido o milho, o rebanho alcançou ganho de peso diário de 833g.
“Isso no período de seca, em que a maior parte da pecuária tem perda de peso”, ressaltou.
Com os sistemas mais sofisticados adotados atualmente, ele diz que o ganho de peso médio está em 1kg por dia, também na seca, abatendo animais com 21 arrobas e 18 meses. Isso porque, no caso da Roncador, esse é um período de nutrição abundante para o rebanho.
“Conosco é ao contrário, só temos um pequeno desafio que é momento de transição. Quando o gado volta para o pasto, o capim ainda não cresceu, por isso se faz a suplementação com feno, produzimos na fazenda 102 mil bolas de feno”, relata.
Nas áreas de agricultura foram plantados, na safra 2022/2023, 30 mil hectares de soja, com produtividade média de 66,5 sacas por hectares. Já de milho foram 5,5 mil hectares com 110 sacas/ha de média.
Dalla Vecchia faz questão de mostrar um gráfico que mostra o ganho total, na “produção de alimentos da Roncador”.
“A produtividade cresceu 66 vezes de 2008 até 2020, considerando toneladas de alimento por hectare, se considerada a soja e o gado”, ressaltou.
“Sopa de floresta”
Ao longo do processo para buscar menor impacto ao meio ambiente e, ao mesmo tempo, avançar em produtividade, a Roncador passou a estudar a fundo e investir no “reequilíbrio do solo”. Uma das estratégias foi reequilibrar a adubação por meio do uso de pó de rocha.
O diretor da Roncador destaca que o solo de Mato Grosso é um dos mais antigos do mundo, que não teve rochagem natural, por isso o pó de rocha ajudou a reequilibrar. “Mas para que a planta absorva o nutriente é necessário mais que isso, ela precisa pegar através dos microrganismos que estão na terra, por isso passamos a olhar para a vida no solo”.
Foi assim que surgiu a “sopa de floresta”, um composto preparado na própria fazenda a partir de um substrato da floresta e potencializado com silagem.
“Multiplicamos no nosso tanque e essa é a calda que vai no nosso pulverizador. Dessa forma repovoamos as áreas produtivas com os microrganismos que estão dentro da floresta. A ideia é refazer o equilíbrio, para poder ter a ciclagem mais rápida e manter o ambiente bem saudável”, explicou.
Desde então, a Roncador tem monitorado a atividade biológica do solo em suas fazendas, utilizando uma ferramenta da Embrapa chamada de BioAS. “Este ano faremos esta bioanálise em todas as áreas, é excelente para ver o que está melhorando ou não”.
Foco no carbono e na gestão de pessoas
Na linha do tempo desenhada pelo CEO do grupo Roncador a etapa mais recente, em que a empresa se dedica neste momento, é chamada de “Simbiose 4Ps”, que fala de ” plantação, pecuária, pessoas e planeta”.
Dalla Vechia reforça a ideia de ter conseguido algo que não era mais “só sustentável” e descreve o modelo da fazenda como um “sistema integrado regenerativo”, afinal a cada ano a produtividade melhora e “com mais vida”.
Entre as fotos que ele fez questão de mostrar estão os cogumelos juntos da plantação, uma prova deste modelo, segundo ele.
“É ruim este sentimento de segregação que permeia a sociedade, separando a humanidade do planeta. Nós percebemos que podemos ter papel positivo nas áreas sob nossa gestão por isso encaro como uma missão existencial mesmo”, disse o executivo.
“Nossa missão é deixar o planeta melhor do que nós recebemos e junto, conseguimos também resultado econômico melhor”.
Para mensurar o “impacto positivo” que gera, a Roncador também tem feito análises periódicas de carbono em suas áreas com especialistas como Eduardo Assad, da Embrapa, além de mobilizar consultores e auditoria.
Um destes estudos, auditado pela KPMG, mostrou que de 2008 a 2021 a produção de alimentos subiu de 6 mil para 151 mil toneladas, considerando grãos e carne.
No mesmo período, a fazenda deixou de um balanço de 63 mil toneladas de CO2 equivalente positivo para um saldo negativo de 62 mil, ou seja, fixando mais carbono do que emite.
“Isso é o mesmo que mitigar as emissões de 35 mil carros”, ressaltou o CEO. “Fizemos o estudo porque achei que precisaria diminuir gado por causa da emissão, mas na verdade vimos que o sistema integrado está fixando carbono, é um gráfico de esperança”.
Há alguns anos a Roncador também conta com uma certificação do Instituto Onça Pintada. As onças abatem 1,5 mil cabeças de gado por ano, a maioria bezerro, “o que é um sinal de biodiversidade”.
Apesar do sistema já sofisticado de KPIs para medir suas políticas ESG, o empresário diz que, por enquanto, não encaminhou projetos formais relacionados ao mercado de carbono por considerar que ainda há muita distorção.
“Se eu passo a produzir o milho para a ração, ao invés de comprar de terceiros, isso conta negativamente para a metodologia, o que é injusto afinal o produto chegava de caminhão na fazenda, era muito mais emissão”, exemplifica.
Por isso, Dalla Vecchia recomenda que os pecuaristas façam o monitoramento para saber como estão, identificar onde podem melhorar, “este é o objetivo”.
No “P” de “pessoas” a Roncador também mostra uma política que pode ser considerada ousada no ambiente das fazendas. Além de seguir investimento em políticas de treinamento e gestão, lançou recentemente uma cartilha para tratar de assédio, moral e sexual, principalmente com foco na proteção às mulheres.
“Fizemos roda de conversas e criamos um canal de denúncias que levou a ações efetivas, até o desligamento de funcionários, que não se adequavam a estes valores”, contou o CEO.
Políticas semelhantes também são desenvolvidas em temas como bem-estar animal. “Um vaqueiro que não grita com os animais, que sabe proteger um bezerro, também tende a ter um comportamento diferente em casa, com a família”.
Novos investimentos
Uma das estratégias da Roncador ao implantar o modelo regenerativo também foi reduzir o uso de defensivos químicos e ampliar a aplicação de insumos biológicos.
Atualmente a fazenda já conta com tanques e laboratório para a multiplicação dos biológicos. No mercado em geral, foram comprados no último ano, para consumo na fazenda, 92 mil litros destes produtos.
Por este motivo, o próximo investimento confirmado do grupo é a construção de uma “biofábrica bem grandona”, como diz o diretor da empresa, para trabalhar “com fungos e bactérias e todas as cepas”.
Considerando alguns números da Roncador, que tem 700 quilômetros de estradas e mais de 1.000 pessoas vivendo na fazenda, com direito a serviços como escola, atendimento médico e posto de gasolina, dá para imaginar que a biofábrica promete.
Pelerson Penido Dalla Vecchia não dá detalhes da capacidade de produção, alegando que ela será utilizada em diferentes atividades, não apenas na preparação de defensivos biológicos. O investimento previsto é de R$ 2,5 milhões.
“Queremos produzir o suficiente para 20 mil hectares de soja, mas também vamos trabalhar na compostagem da área do confinamento, fazer a sopa de floresta, o probiótico para o gado, então o escopo é em aberto”, explicou.
Outro investimento previsto, mas possivelmente para 2025, é a construção de uma esmagadora de soja, para extrair o óleo e usar o farelo na ração do rebanho. Produzir também o biodiesel, em Mato Grosso, é algo que Dalla Vecchia está considerando.
Dos 152 mil hectares originais da Roncador, 45% são reserva legal, com vegetação preservada. Dalla Vecchia está administrando nesta safra um total de 100 mil hectares. Um total de 20 mil hectares está sob a gestão de uma joint venture com a SLC Agrícola.
Como plano de expansão, o CEO do Grupo Roncador também planeja investir em terras arrendadas, “para levar uma parte significativa da cria para fora da nossa fazenda, replicando o modelo de gestão sustentável nestas áreas, pensamos em levar 20 mil vacas para o arrendamento”.
Em relação aos resultados financeiros, o empresário evita dar detalhes, mas admite que na safra 2023/2024 o grupo seguirá crescendo, porém em menor ritmo se comprado à última temporada, quando ainda foi possível contar com preços melhores na agricultura, o que compensou as dificuldades da pecuária, nos últimos dois anos.
Nas telas do produtor também estão vários “dashboards” para monitorar preços e estabelecer estratégias de comercialização. Ele diz que, com a forte volatilidade do último ano, “não sabe como alguém pode administrar sem estas ferramentas”.
“Não somos especuladores, travamos a margem desejada no modelo, monitoramos e aproveitamos determinadas oportunidades, altas do dólar, por exemplo. Mas não vamos plantar um ano só, o importante é pagar as contas, seguir crescendo para continuar investindo”, afirmou.
Recorte da máteria da AgFeed: Link da Notícia