Presença do felino significa ponto alto da sustentabilidade; isso e outras boas práticas levaram fundo europeu a financiar fazenda em MT
Em 2018, onças pintadas mataram 962 cabeças de gado nas pastagens de uma fazenda de Mato Grosso. Problema? Ao contrário, solução.
A presença dos felinos é uma indicação da qualidade da biodiversidade das matas de uma propriedade. O resultado foi que, esse fato, associado a uma série de boas práticas na fazenda, levaram o fundo holandês &Green a se interessar pela atividade que a fazenda desenvolve. O fundo acaba de fazer um pacto financeiro com ela.
A fazenda é a Roncador, localizada no município de Querência (MT) no Vale do Araguaia. Ela terá um financiamento de US$ 10 milhões (R$ 50 milhões) do fundo, com juros de 2,95% ao ano, bem abaixo do patamar de mercado.
Há uma década, ela apresentava desgaste do solo e a atividade agropecuária já não tinha mais lucratividade.
Com gestão, tecnologia e sustentabilidade houve uma drástica evolução da produtividade, que hoje supera em 41 vezes a dos tempos de solo degradado, diz Pelerson Penido Dalla Vecchia, presidente do Grupo Roncador.
A Roncador tem 152 mil hectares, cultiva grãos em 50 mil deles e tem 70 mil cabeças de gado. Com a integração lavoura-pecuária, a propriedade se tornou altamente sustentável.
Na safra 2017/18, emitiu 82,5 mil toneladas de CO2, mas removeu outras 172,3 mil, com ganho de 89,8 mil toneladas. O sistema da fazenda, além de sustentável, passou a ser viável economicamente.
Por isso, o fundo procurou o grupo para um primeiro experimento, que pode ser levado a outras propriedades da região que se enquadrem nesse perfil.
A Roncador lidera um movimento constituído por um grupo de 63 propriedades, denominado Liga do Araguaia. Foi o fundo que procurou a Roncador, mas as negociações não foram fáceis.
Avaliaram pesquisas, certificações, desempenhos e balanços da fazenda. Viram a consistência econômica e, principalmente, a capacidade de intensificação da produção, diz Dalla Vecchia.
Na pecuária, a Roncador colocará mais animais por hectare. Um núcleo da empresa vai intensificando a produção e, conforme os resultados surgem, replica para a fazenda. Entre os desafios está a produção de capim, a base da alimentação dos animais, segundo o presidente do grupo.
Na produção de grãos, a produtividade da soja já chega a 70 sacas em um terço da propriedade. O objetivo é trazer toda a produção para essa média, e, na sequência, buscar novos patamares.
Um dos acertos com o fundo é elevar a produtividade de toda a fazenda em 58%, utilizando a mesma área atual de produção. Além disso, o grupo Roncador deve compartilhar o aprendizado com pequenos, médios e grandes produtores da região.
As vantagens do empréstimo são o período de oito anos para o pagamento e a taxa de juro de 2,95% ao ano. Esse é o primeiro empréstimo no Brasil feito pelo fundo, que já tem outros dois projetos ligados a borracha na Indonésia.
A montagem da operação financeira entre a Roncador e o &Green demorou dois anos e exigiu a apresentação de evidências da sustentabilidade e de indicadores de desempenho por parte da fazenda.
Entre as cláusulas do contrato estão a recuperação de pastagens degradadas, a proteção de 70 mil hectares de mata nativa e a recuperação e 200 hectares de floresta.
Além do aumento de produtividade, que virá com uma restauração da fertilidade do solo, e menor uso de pesticidas.
A fazenda, que mantém um viveiro com 44 mil mudas de espécies nativas, foi a primeira no país a obter o certificado de proteção das onças pintadas.
Com um certo ar de entusiasmo, Dalla Vecchia diz que o número de gado abatido pelas onças, que era de 95 em 2009, foi de 962 em 2018, apontando o quanto o ambiente está favorável aos felinos. Tudo isso significa sustentabilidade do ecossistema.
Vaivém das Commodities
A coluna é assinada pelo jornalista Mauro Zafalon, formado em jornalismo e ciências sociais, com MBA em derivativos na USP.
Matéria publicada no site da Folha de São Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/vaivem/2020/06/quando-a-onca-faz-parte-da-solucao.shtml