Referência em boas práticas, propriedade em Mato Grosso deixa de ser a maior da pecuária nacional após conclusão do processo de partilha do imóvel.
A Fazenda Roncador, no Vale do Araguaia, em Mato Grosso, já foi a maior fazenda de criação de bovinos do país. Esse título, agora é oficial, ela não tem mais: nos últimos três anos, os três irmãos Dalla Vecchia, herdeiros da propriedade, dedicaram-se à complexa partilha do imóvel, um trabalho que acabam de concluir.
Antes um colosso de 152 mil hectares — área equivalente à do município de São Paulo —, a Roncador está nas mãos da família desde 1978, quando Pelerson Penido, fundador da concessionária de rodovias CCR e avô do trio, a comprou. A fazenda pode não ser mais a maior de pecuária nacional, mas não foi só esse epíteto que fez sua fama: ela é, possivelmente, o exemplo mais conhecido no exterior de pecuária sustentável na área da Amazônia Legal. Em um caso que ilustra esse prestígio, Gilberto Tomazoni, o principal executivo da JBS, empresa da qual a Roncador é fornecedora de gado, com bastante frequência cita a fazenda em suas palestras e participações em debates internacionais.
Feita a partilha, sob o nome Fazenda Roncador ficou a área comandada por Pelerson Penido Dalla Vecchia, que transformou uma fazenda que dava prejuízo em um negócio altamente rentável e que é referência na preservação ambiental. A mata nativa cobre quase 50% da área da propriedade, que começou a adotar o sistema de produção com integração lavoura-pecuária (ILP) há mais de uma década e meia e utiliza insumos biológicos em larga escala.
Dalla Vecchia segue à frente dos negócios da “nova” Roncador, que tem 53 mil hectares, mas fez mudanças na gestão, como a criação de um conselho de administração. O consultor Luiz Bouabci, a professora Wilma Bolsoni e o zootecnista Antônio Chaker compõem o colegiado.
Mineração
Na partilha entre os irmãos, além da Fazenda Roncador, em Querência (MT), Dalla Vecchia ficou com 50% da Fazenda Mantiqueira, em Pindamonhangaba (SP), mas ele arrendou de sua irmã, por 20 anos, a outra metade. O empresário também segue à frente da Calcário Vale do Araguaia, empresa de mineração que tem unidades nos municípios mato-grossenses de Cocalinho e Nova Xavantina.
“A mineração é um negócio bem importante para nós”, afirma o empresário. Além de rentável, esse braço do grupo fornece insumos para algumas das experiências que a Fazenda Roncador tem feito para aumentar a produtividade no campo. É graças à mineração que a fazenda vai testar o desempenho das plantações sem o uso de adubos formulados. Nessa experiência, a fazenda vai utilizar apenas “silicálcio”, um pó de rocha, e esterco do gado.
A estrutura dos negócios e, principalmente, as dimensões da Roncador podem ter mudado, mas o que não mudou é o espírito de “estação experimental” que Dalla Vecchia adota na propriedade. E essa, ele reitera, não é uma contradição em um negócio que visa ao lucro.
“Nós fazemos muito teste, medimos tudo, mas nada do que fazemos é em detrimento do resultado”, afirma ele. “Assim como nunca buscamos o resultado a qualquer custo”.
Pelerson Penido Dalla Vecchia
Pivôs e esmagadoras de soja
A Roncador também vai passar ter pivôs de irrigação, que cobrirão 4 mil hectares. O investimento do grupo nas estruturas ficará entre R$ 80 milhões e R$ 90 milhões. “O pivô é um ‘seguro’ de chuva, de clima”, diz. A fazenda vai, além disso, começar a investir em pequenas esmagadoras de soja, modulares. Com esse projeto, a ideia é aumentar o volume de farelo na alimentação do gado, que, com isso, vai produzir esterco de melhor qualidade para uso na nutrição das lavouras.
As múltiplas iniciativas da Roncador, muitas delas em caráter experimental, soam como a antítese do que ditam os “manuais” da moda no universo corporativo. Para muitos fundos de investimento, startups e outros agentes econômicos, a simplificação e a facilidade de replicar modelos e soluções é o caminho para um negócio ganhar escala — e, assim, ser bem-sucedido. Dalla Vecchia também repete e amplia o alcance de ideias que dão certo.
Ele conta que seus testes têm como ponto de partida um volume enorme de dados e estatísticas, uma estratégia que não é a regra em muitos segmentos do agro, em particular na pecuária.
“Nós fazemos essas coisas para elas darem resultado [financeiro]. Se um projeto ficar bonito, mas não parar em pé [em termos financeiros], ele não faz sentido”.
Pelerson Penido Dalla Vecchia
Dalla Vecchia é um entusiasta de bioinsumos , mas a produção da Roncador não é orgânica, e nem ele pretende que seja. “Quando precisamos, aplicamos o químico”, diz. “Quando avançamos na colheita, as pragas se concentram nas últimas áreas que ainda estão no campo. Elas não têm para onde ir, e então se concentram nesses espaços. Nessas horas, se tem um fungo ali, aplicamos fungicida”. Para ilustrar a estratégia, ele faz uma analogia com a saúde humana. “É como tomar antibiótico quando ficamos doentes. A gente evita, mas não deixa de tomar”.
Matéria publica no Globo Rural e Valor Econômico:
https://valor.globo.com/impresso/noticia/2024/11/12/sustentabilidade.ghtml