Excluído da lei, agronegócio quer vender créditos de carbono

Algumas empresas do setor, um dos maiores emissores de gases de efeito estufa, pretendem participar do mercado de forma voluntária, com projetos de fixação de carbono no solo

Por Carlos Vasconcellos — Para o Valor, do Rio
20/12/2024 05h02 · Atualizado há 3 dias

Pelerson Dalla Vecchia, CEO do Grupo Roncador: descarbonização deveria ser estimulada com incentivos ao produtor — Foto: Divulgação

A lei que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa(SBCE) deixou de fora das cotas de carbono o agronegócio. Com isso, o setor, que é considerado um dos maiores emissores de CO2 da economia, deixou de fazer parte do mercado regulado de carbono e, portanto, sem obrigação legal de redução de emissões.

O principal motivo para a exclusão do agronegócio das cotas de carbono foi a falta de metodologias adequadas para contabilizar as emissões e as reduções de carbono no segmento, que possui características específicas e grande variabilidade de práticas e culturas. Tudo isso, dificultaria a criação de um modelo único de contabilização, tornando inviável impor as cotas de redução de emissões.

No entanto, apesar da exclusão, as empresas do agronegócio ainda podem participar do mercado de carbono de forma voluntária. Isso poderá ser feito por meio da geração de créditos em diferentes projetos de fixação de carbono no solo. Para Mateus Sanquetta, diretor da consultoria Eco2 Consulting, nenhum setor deveria ter sido excluído das cotas de emissão. “O mercado voluntário não tem uma padronização. Poderíamos ter utilizado algumas das metodologias aplicadas a esse segmento para a criação das cotas”, argumenta.

Nelson Ananias Filho, coordenador de sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por sua vez, observa que nenhum país até agora incluiu o setor agropecuário em cotas de emissão de carbono, justamente pelas dificuldades técnicas na padronização de métricas. Ananias Filho lembra também que o setor não pode ser avaliado exclusivamente pelo passivo ambiental gerado pelas emissões.

“É preciso olhar para o balanço do setor, para a captura do carbono no ciclo produtivo da agricultura e da pecuária”, diz Ananias. “Não teríamos problema em assumir um teto de emissões, desde que isso refletisse a realidade do setor, que já atende uma legislação ambiental rigorosa, como o Código Florestal, por exemplo.”

Ananias acrescenta ainda que o agronegócio brasileiro tem muito a contribuir com o desenvolvimento desse mercado, mesmo fora das cotas. “O setor tem grande potencial para gerar créditos para lastrear os certificados de compensação de emissões e garantir que o Brasil cumpra suas metas ambientais”, diz.

Independentemente da legislação, muitas empresas do agro brasileiro colocam em prática projetos para reduzir suas pegadas de carbono. É o caso do Grupo Roncador, de Mato Grosso. “Desde 2007, partimos de uma emissão de 17,4 mil toneladas de gases de efeito estufa emitidos em 2007 para mais de 230 mil toneladas de gases fixadas no solo, em 2020”, diz o CEO do grupo, Pelerson Dalla Vecchia. “No mesmo período, a produção de alimentos, incluindo carne e grãos, passou de 9.600 toneladas para quase 160 mil toneladas.”

Dalla Vecchia explica que esse desempenho depende de uma série de práticas ambientalmente sustentáveis. Segundo ele, trata-se de um conjunto de ações que inclui, por exemplo, a redução do uso de fertilizantes formulados, substituídos em grande parte por adubos naturais e pelo pó de rocha. “Isso ajuda a fixar o nitrogênio no solo, aumenta a produtividade e reduz as emissões no transporte do fertilizante importado”, enumera.

O grupo também adotou a prática conjugada da lavoura com a pecuária. Essa integração permite elevar a fertilidade do solo, fixar nutrientes e aumentar a retenção de carbono no solo durante o ciclo de produção, por meio da rotação de culturas e pastagens. O aumento da produtividade na pecuária, por sua vez, permite que os animais sejam abatidos mais rápido. “Essa redução no ciclo do abate também diminui o volume de emissão de metano pelo rebanho”, acrescenta Dalla Vecchia.

O empresário observa que a descarbonização precisa estar na agenda do setor. “O ideal seria que a descarbonização fosse estimulada por meio de incentivos ao produtor. Mas as questões ambientais podem gerar barreiras e os produtores precisam estar preparados”, diz Dalla Vecchia. Ele lembra que em 2022, a China criou um limite de idade máxima de três anos para o abate de gado bovino nas suas importações de carne. “Felizmente, já trabalhávamos comum ciclo de 15 a 18 meses.”

Já Sanquetta observa que a adoção de boas práticas ambientais no agronegócio é bem-vinda. “O setor precisa investir na melhoria do manejo, na agricultura regenerativa”, diz. Para ele, na medição dos créditos gerados pelo setor, a retenção de carbono deve sempre levar em conta o ciclo de produção das atividades agrícolas. “Quanto maior o ciclo, maior o potencial, porque o carbono fica estocado por mais tempo. Por isso, culturas mais longevas têm potencial maior de retenção do carbono”, conclui.

Matéria publicada no Valor Econômico:
https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/mercado-de-carbono/noticia/2024/12/20/excluido-da-lei-agronegocio-quer-vender-creditos-de-carbono.ghtml?giftId=d896af65d5b6b01&utm_source=Whatsapp&utm_medium=Social&utm_campaign=compartilharmateria